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Opiniões para quê?

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(Texto publicado na Lócus Online, em 21/Agosto/2020)

Opiniões para quê?

Você lembra a última vez em que deixou de dar a sua opinião por perceber que desconhecia o assunto tratado?

Por ocasião do lançamento do filme Os Donos da Verdade, do canal Brasil Paralelo (que, até o momento em que escrevo, tem mais de 1,35 milhão de inscritos e 535 mil visualizações do filme), vale a reflexão que segue.

Faça a experiência de listar 5 assuntos polêmicos da atualidade, que envolvam uma tomada de posição, e pergunte a 10 pessoas o que elas pensam a respeito. Possivelmente, o número de pessoas que irá se abster de responder por sentirem-se pouco capacitadas ou entendidas no assunto será pequeno. Não é uma hipótese, trata-se de um traço cultural: a internet nos mostra claramente muitas pessoas opinando sobre assuntos sérios dos quais elas realmente não têm lá muito conhecimento, mas apenas uma impressão momentânea, baseada em sentimentos, de como ela acha que as coisas são ou deveriam ser. Muitas discussões surgem deste nível de opinião.

Isto não quer dizer que essas pessoas não tenham o direito de expressar suas opiniões. A liberdade de expressão deve ser defendida e irrestrita, absolutamente. Doa a quem doer. O filme do Brasil Paralelo mostra justamente as consequências nefastas ao limitar esse direito. Mas aqui não se trata de liberdade. Pressupondo que um dia vençamos essa batalha contra os donos da verdade, a questão se volta para a responsabilidade ou o grau de comprometimento das opiniões.

Quanto de esforço e estudo você admite para formar uma opinião? Informar-se com notícias é o suficiente para você constituir uma opinião própria? Acompanhar redes sociais? Ler livros? Ou suas impressões e convicções atuais são suficientes para formar uma opinião sobre um assunto atual?

Na Grécia Antiga, o filósofo Aristóteles sempre começava os seus estudos considerando tudo o que já havia sido dito, até aquele momento, sobre o assunto que estava tratando, para só depois avaliar e se posicionar. Essa atitude acabou se cristalizando dentro da história da filosofia como o procedimento responsável para todo indivíduo que pretenda entrar em uma discussão séria.

Mais tarde, com o florescimento das universidades medievais, uma das principais características da educação era a noção de autoridade, não no sentido de cargo, mas no sentindo de conhecimento. Nas soluções para um problema intelectual, normalmente apelava-se para 1) as Escrituras Sagradas, 2) a Aristóteles e 3) aos grandes intérpretes tradicionalmente instituídos. Ficava excluído, inicialmente, o espírito de livre exame. E isso não era nenhum prejuízo. Aquele que no debate se metia deveria saber a origem e o desenvolvimento do assunto com o qual lidava, o status quaestionis, de modo que a discussão se mantinha em um nível e grau de seriedade básico, apelando-se muito pouco as emoções juvenis baseadas no gosto disso, não gosto daquilo, considerando um patamar básico de conhecimento que todos os envolvidos deveriam conhecer. Todo estudante acabava vivenciando, por imersão, a virtude da prudência diante do conhecimento – o próprio sistema de ensino a favorecia.

 Agora considere a quantidade de opinadores e seus respectivos horizontes de consciência, tratando de questões das quais realmente desconhecem as origens e os fundamentos, partindo tão somente das suas impressões subjetivas, emocionais e momentâneas, utilizando frases de efeito e slogans como recurso de argumentação.

Aquém do poder autoritário de alguns que atentam contra a liberdade de opiniões, o desconhecimento das origens e do desenvolvimento das ideias circulantes, por parte de muitos que estão envolvidos nos debates públicos, serve como um grande termômetro do real apreço pelo conhecimento. De opinadores a youtubers de cabelo colorido e socialmente engajados, muitos acabam sendo colocados em tal evidência que se tornam pontos de referência ao debate público, sendo as suas opiniões consideradas mais relevantes do que o próprio assunto tratado. Esquecemos da história nos deslumbrando com a trama.

Trabalhos como o filme Os Donos da Verdade, nos quais se traça precisamente como chegamos até aqui em termos da liberdade de expressão, mostra justamente o modo prudente que o apreço verdadeiro pelo conhecimento deveria despertar. Fora isso, muito da gritaria atual parece um balaio de gatos histéricos.

 

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