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As novas velhas prioridades

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(Texto publicado na Lócus Online, em 02/Setembro/2020

Ignorada por décadas, a educação baseada em evidências ganha mais espaço na educação brasileira

Se o lateral esquerdo do seu time erra muitos passes, cobra mal os escanteios e não é competente na marcação dos adversários, em quatro ou cinco jogos, certamente, você irá reclamar junto com um amigo diante da televisão. O brasileiro sabe perfeitamente o que significa perceber as evidências do que é eficaz quando se trata de futebol. Coisa que pouco acontecia quando o assunto era educação. Durante muito tempo, as evidências do que realmente funciona em sala de aula não eram motivos para as grandes mudanças efetivas, salvo casos de esforços isolados.

Durante décadas – e mesmo agora com a aprovação do novo FUNDEB (já explicado aqui na LÓCUS – https://www.locusonline.com.br/2020/08/06/entenda-pec-que-torna-o-fundeb-permanente/ ) – muito das energias gastas nas ebulições sindicais e discussões sobre a educação brasileira girava entorno de investimentos e salários. Incólume, o socioconstrutivismo ia muito bem, obrigado. Mas os desastrosos resultados dos estudantes brasileiros em provas internacionais como o PISA (prova que avalia capacidades em leitura, matemática e ciências), em todas as edições, desde 1999, mostrou à educação patronada por Paulo Freire aquilo que a pesquisadora sueca Inger Enkvist tanto insiste: não se trata do quanto o país investe em educação, e sim no que investe.

A chamada Educação Baseada em Evidências é um campo de pesquisa bem desenvolvido fora do país. Desde a década de 1960, pesquisas e meta-análises que procuram verificar os maiores efeitos na aprendizagem, através dos métodos aplicados em alfabetização, leitura, interpretação e apreensão dos conteúdos, são levados em consideração na formação de professores e na elaboração de reformas educacionais. Basta ler os estudos de Jeanne Chall nos EUA (The Academic Achievement Challenge, 2000), de Clermont Gauthier e Steve Bissonnette no Canadá (Ensino Explícito e Desempenho dos Alunos, 2014), de John Hattie (Aprendizagem Visível para professores, 2017) na Nova Zelândia, para ver o nível em que se encontram as pesquisas sobre métodos e abordagens eficazes em sala de aula (no Brasil, é possível encontrar estudos do Instituto Alfa e Beto, coordenado pelo pesquisador João Batista Oliveira e as pesquisas coordenadas pelo professor José Francisco Soares, da UFMG).

O caso mais emblemático dessa discussão talvez seja o caso dos métodos de alfabetização – a querela entre método global ou método fônico. O método global caracteriza-se por ser uma abordagem do todo para as partes, priorizando o contexto e o significado das palavras; o método fônico prioriza uma abordagem das partes para o todo, do simples ao complexo, priorizando o som das letras e fonemas até chegar as palavras. Na maioria dos países com altos índices de proficiência em leitura e interpretação, o método fônico é o utilizado. Além disso, muitas evidências científicas já foram apresentadas sobre a prevalência do fônico sobre o global – basta ver o projeto americano Follow-Through (estudo de larga escala, realizado entre 1968 a 1995, envolvendo mais de 70 mil crianças), livros como o de Jeanne Chall (Learning to Read: The Great Debate, 1967), pesquisas recentes como a de Stanislas Dehaene (Os Neurônios da Leitura, 2011), ou recentemente a de Kátia Benedetti (A falácia do socioconstrutivismo, 2020).

É por essa razão que o Plano Nacional de Alfabetização, lançado em agosto de 2019 pelo MEC, merece atenção e acompanhamento. Trata-se de uma mudança significativa na maneira de abordar um fenômeno vital do processo de educação. As diretrizes apresentadas no PNA têm como fundamento a educação baseada em evidências científicas e uma forte orientação para a abordagem fônica.

Até o presente momento, essas orientações do MEC encontram-se na fase de formação de gestores e professores da pré-escola aos primeiros anos do ensino fundamental. Lançado em fevereiro deste ano pela Secretaria de Alfabetização, sob os cuidados de Carlos Nadalim, o programa Tempo de Aprender, baseado no PNA, tem como objetivo enfrentar as causas de deficiências da alfabetização nacional, começando pela formação docente através de cursos online e presenciais, passando por fornecimento de material e recursos digitais, assim como medidas de verificação de desempenho. Até o momento de redação desse texto, mais de 3.800 municípios brasileiros já aderiram ao programa, constando mais de 3 milhões de acessos ao curso online gratuito sobre alfabetização.

Evidentemente que essa mudança de orientação não causa impacto imediato – resta acompanhar os rumos que esse novo plano de alfabetização trará para a educação básica brasileira. Os efeitos e os resultados em educação não são observáveis de imediato como imagens de novas estradas, pontes ou aeroportos: leva o tempo de uma ou mais gerações – assim como hoje sabemos que o resultado de décadas das orientações anteriores foram um fracasso retumbante.

Dicas de leitura:

– A falácia socioconstrutivista – Kátia Simone Benedetti

– Ensino Explícito – Clermont Gauthier

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